Um longo caminho para casa
Foi dito antes que dois treinadores de cães não concordam em nada, exceto que um terceiro treinador está completamente errado. Da mesma maneira, pesquisadores que procuram descobrir como e quando os cães foram domesticados estão sempre entrando em conflito por causa da resposta a um dos maiores mistérios de todos os tempos. Não sou cientista, arqueólogo ou historiador. Mas, por um momento, por favor, acione essa imaginação poderosa localizada na parte frontal do seu cérebro para visualizar este possível cenário:Estamos cerca de doze mil anos atrás – o ápice de uma das Eras Glaciais. Em um dia muito frio, há um sinal de vida na faixa de terra que se formou no Estreito de Bering, ligando o continente asiático ao Novo Mundo. Em busca de terras melhores para a caça, um pequeno grupo de humanos primitivos atravessa o caminho congelado, lutando contra a neve e o vento. Uma matilha de canídeos lupinos – os ancestrais do cão moderno – caminha atrás do grupo. Talvez os animais estejam procurando os restos que os humanos migradores deixam para trás. Talvez tenham sido selecionados para puxar grandes objetos em um trenó. Mas talvez estejam mantendo esses humanos vivos ajudando-os a caçar. Com seu focinho sensível, são capazes de farejar presas a quilômetros de distância. Com seu DNA de lobos, são caçadores e rastreadores naturalmente superiores. São mais rápidos que os humanos e mais sintonizados com o restante dos animais ao redor deles. Sem a prewsnça desses canídeos, talvez o pequeno grupo de humanos não sobrevivesse à travessia.
E se os cães primitivos não aprenderam com os humanos tanto quanto os humanos primitivos aprenderam com os cães?
Isso é apenas fantasia, claro – um filme particular, que gosto de projetar várias vezes na minha imaginação. Mas existe uma verdade nessa imagem, na qual estou absolutamente certo: independentemente do que tenhamos feito para chegar até aqui, desde nosso passado até o século XXI, não restam dúvidas de que os seres humanos e os cães aproveitaram ao máximo essa jornada juntos. Sempre digo que caminhar com os cães – migrar com eles – é a maneira mais poderosa de nos comunicarmos com eles, porque recria as jornadas antigas e primitivas. Lado a lado, nós nos tornamos duas espécies muito diferentes no planeta, formando uma aliança pela sobrevivência. Ambos somos espécies sociais; ambos vivemos em “matilhas”. Devemos ter nos identificado com muita intensidade desde o começo – de modo tão profundo que o restante de nossas histórias sempre se interligaria. Nós nos apaixonamos pelos cães, dando a eles os mesmos enterros cuidadosos que dávamos a nossos entes queridos; retratando-os em murais nas paredes de nossos palácios; moldando nossos deuses antigos à imagem deles. E, por qualquer motivo que seja, eles nos amaram também. Os cães são os únicos animais não primatas que reagem instintivamente aos nossos gestos. São os únicos não primatas que procuram, em nossas expressões faciais dicas que revelem nossas intenções. São os únicos animais que automaticamente olham para nós em busca de orientação neste mundo estranho e complexo que moldamos no lugar do que antes era um planeta simples.
Esses nobres animais – diferentes de nós de tantas maneiras, mas tão parecidos de outras – são o elo mais próximo com o nosso “eu” instintivo que deixamos para trás. Quando olhamos em seus olhos, que expressam tanta confiança em nós, vemos nossas qualidades e nossas fraquezas perfeitamente refletidas. Há infinitas lições a aprender com eles, se estivermos dispostos e formos corajosos o bastante para procurá-las.
Espero que todos olhem seus cães de maneira ainda mais significativa. Que se mantenham sempre consciente do elo profundo que compartilhamos com esses seres e agradecido por isso.