A equipe Trilha da Matilha agradece esta ótima matéria:
Entrevista realizada pela equipe da revista Cães e CIA edição de número 405 (www.caes-e-cia.com.br) que entrevistou a psicóloga e veterinária Ceres Berger Faraco, veterinária graduada pela Universidade Federal do RS e doutora em Psicologia pela PUC do RS e pela Universidade de Valência, na Espanha.
Cães e gatos, os pets ideais
O cão é o animal que mais interage com as pessoas. É o bicho ideal para as crianças? Pelo processo evolutivo e de convivência com o ser humano, cães e gatos são espécies ideais.
Cães em primeiro lugar? Não necessariamente. Depende das condições familiares. Pode haver ótima relação entre gatos e crianças. Meu filho mais velho, quando pequeno, teve um gato. Na verdade, uma gata. Morávamos em apartamento e não tínhamos espaço adequado para ter cachorros. Em todas as fotos da infância dele, a gata aparece. Eram apegadíssimos.
Para quem não pode ter um cão nem um gato, mas quer que os filhos convivam com animais, é válido optar por outros bichos, como aves e peixes? Claro que tudo depende de como os animais são criados, mas, de forma geral, aves e peixes são mantidos confinados e sofrem com isso. Se você observar um peixe no aquário, vai perceber que ele está atento ao que acontece a seu redor, fora da água dele. Será que a condição em que ele vive não afeta o bem-estar dele? Há estudos que comprovam que os peixes têm um lado emocional importante. À luz do conhecimento de hoje, eu não indicaria aves e peixes por não acreditar que o bem-estar deles esteja sendo realmente respeitado em ambiente doméstico.
Mas o convívio com esses animais também ajuda no desenvolvimento infantil? A proximidade com outros bichos, sejam quais forem, sempre traz elementos de informação e de experiência que podem ser úteis para a formação humanitária das crianças.
Crianças pequenas podem machucar cães e gatos e ser machucadas por eles. Qual idade ideal para que passem a conviver com esses animais? O convívio pode ocorrer desde o nascimento da criança, mas desde que haja supervisão. Crianças pequenas, com menos de seis ou sete anos, não podem ficar sozinhas na companhia de animais. Quanto mais novas forem, mais vigilância é necessária. Isso faz parte da guarda responsável.
Bichos x responsabilidade
Comunicação afinada: de acordo com Ceres, crianças pequenas se relacionam mais facilmente com animais do que com pessoas adultas
Sempre ouvimos que criar noções de responsabilidade é um dos benefícios esperados para as crianças a partir do convívio com os bichos. Isso porque elas participariam das tarefas e dos cuidados exigidos pelos animais. Na prática, porém, crianças raramente cuidam dos bichos. Não é falsa a ideia de que se tornariam mais responsáveis por causa deles? Nenhuma criança com menos de oito anos pode ter uma tarefa continuada com animais. Não há maturidade para isso. Por mais que uma criança diga para os pais que cuidará do bicho, isso não vai acontecer. Talvez exista uma fantasia familiar de que a responsabilidade dos filhos pode vir da relação com animais, mas responsabilidade é algo complexo. Pais que adquirem um bicho movidos pela promessa da criança de assumir os cuidados exigidos por ele vão se decepcionar. Às vezes, chegam a se desfazer do animal. Com isso, ainda oferecem um modelo de irresponsabilidade para o filho.
Então os animais não ajudam a criar noções de responsabilidade nas crianças? Eles podem ajudar nesse processo. A família pode introduzir fragmentos de responsabilidades nas crianças a partir do convívio com os animais.
Estimulando a criança a participar dos cuidados exigidos pelo bicho? Exatamente. Os pais podem transformar esses cuidados em atividade desenvolvida em parceria com os filhos, mas de forma prazerosa, não como obrigação. As crianças absorvem o modelo familiar. Em um modelo familiar em que os animais são atendidos em suas necessidades e tratados com dedicação e afeto é muito positivo.
Há uma idade ideal para que a criança assuma, pelo menos, parte da responsabilidade com os cuidados exigidos pelo animal de estimação? Na minha visão, não existe uma idade específica, depende do desenvolvimento de cada criança. Há artigos que dizem que a partir de nove ou dez anos as crianças já têm certa autonomia. Acho importante dizer, contudo, que a questão da responsabilidade não está entre os principais benefícios do convívio com animais no desenvolvimento infantil.
Grandes benefícios
Os principais benefícios seriam o estímulo à sociedade e à capacidade de dar afeto e de se interessar pelo outro? Não só isso. O convívio com os animais tem influência no desenvolvimento infantil como um todo. Interfere diretamente em aspectos como atenção, autocontrole, habilidades sociais e de comunicação. A criança passa, por exemplo, a ter noção real de que comportamentos geram consequências. Bichos respondem de imediato à ação de terceiros, reagindo favoravelmente a comportamentos adequados e negativamente aos inadequados. A relação com bichos também permite que as crianças ampliem a capacidade de observação e de aceitação quanto às diferenças; em se tratando de diferenças, afinal, nada mais marcante do que as existentes entre espécies distintas. Há, ainda, uma grande importância no que se refere à troca afetiva, ao desenvolvimento de laços de intimidade, de cumplicidade. Há crianças que chegam a fazer confidências para os bichos de estimação.
A partir da relação com cães e gatos, crianças tímidas podem se tornar mais expansivas; crianças agitadas, mais calmas; crianças agressivas, mais dóceis; crianças submissas, mais reativas; crianças inseguras, mais confiantes. Conviver com cães e gatos é uma espécie de cura para todos os “males”? (risos). Se esse convívio for trabalhado adequadamente, o milagre até pode acontecer. A relação com animais é muito singular. É espontânea, verdadeira, transparente, não envolve cobranças, culpas, julgamentos. É uma relação. É uma relação não complicada para as crianças. Ela descarta certas características das relações humanas que em geral só atrapalham os vínculos afetivos, como a competição, a ambiguidade, a crítica. Daí a relação com animais ter grande potencial transformador no desenvolvimento infantil. Nela, a criança não está desempenhando nenhum papel preconcebido para ela, exigido dela. A relação com animais permite que a criança seja muito mais verdadeira e espontânea, permite que ela module o próprio comportamento, que ganhe a possibilidade de exercer outros papéis que não os estereotipados por ela por influência da família ou da escola. Uma criança impulsiva, por exemplo, pode se tornar mais contida ao perceber que gestos impulsivos fazem o bicho de estimação se afastar dela. O oposto também é possível. Uma criança retraída pode, motivada pelo convívio com um bicho de estimação, manifestar habilidades e facetas de personalidade antes ignorada pela família e por ela própria.
Potencializando os efeitos
Comunicação afinada: de acordo com Ceres, crianças pequenas se relacionam mais facilmente com animais do que com pessoas adultas
Sempre ouvimos que criar noções de responsabilidade é um dos benefícios esperados para as crianças a partir do convívio com os bichos. Isso porque elas participariam das tarefas e dos cuidados exigidos pelos animais. Na prática, porém, crianças raramente cuidam dos bichos. Não é falsa a ideia de que se tornariam mais responsáveis por causa deles? Nenhuma criança com menos de oito anos pode ter uma tarefa continuada com animais. Não há maturidade para isso. Por mais que uma criança diga para os pais que cuidará do bicho, isso não vai acontecer. Talvez exista uma fantasia familiar de que a responsabilidade dos filhos pode vir da relação com animais, mas responsabilidade é algo complexo. Pais que adquirem um bicho movidos pela promessa da criança de assumir os cuidados exigidos por ele vão se decepcionar. Às vezes, chegam a se desfazer do animal. Com isso, ainda oferecem um modelo de irresponsabilidade para o filho.
Então os animais não ajudam a criar noções de responsabilidade nas crianças? Eles podem ajudar nesse processo. A família pode introduzir fragmentos de responsabilidades nas crianças a partir do convívio com os animais.
Estimulando a criança a participar dos cuidados exigidos pelo bicho? Exatamente. Os pais podem transformar esses cuidados em atividade desenvolvida em parceria com os filhos, mas de forma prazerosa, não como obrigação. As crianças absorvem o modelo familiar. Em um modelo familiar em que os animais são atendidos em suas necessidades e tratados com dedicação e afeto é muito positivo.
Há uma idade ideal para que a criança assuma, pelo menos, parte da responsabilidade com os cuidados exigidos pelo animal de estimação? Na minha visão, não existe uma idade específica, depende do desenvolvimento de cada criança. Há artigos que dizem que a partir de nove ou dez anos as crianças já têm certa autonomia. Acho importante dizer, contudo, que a questão da responsabilidade não está entre os principais benefícios do convívio com animais no desenvolvimento infantil.
Grandes benefícios
Os principais benefícios seriam o estímulo à sociedade e à capacidade de dar afeto e de se interessar pelo outro? Não só isso. O convívio com os animais tem influência no desenvolvimento infantil como um todo. Interfere diretamente em aspectos como atenção, autocontrole, habilidades sociais e de comunicação. A criança passa, por exemplo, a ter noção real de que comportamentos geram consequências. Bichos respondem de imediato à ação de terceiros, reagindo favoravelmente a comportamentos adequados e negativamente aos inadequados. A relação com bichos também permite que as crianças ampliem a capacidade de observação e de aceitação quanto às diferenças; em se tratando de diferenças, afinal, nada mais marcante do que as existentes entre espécies distintas. Há, ainda, uma grande importância no que se refere à troca afetiva, ao desenvolvimento de laços de intimidade, de cumplicidade. Há crianças que chegam a fazer confidências para os bichos de estimação.
A partir da relação com cães e gatos, crianças tímidas podem se tornar mais expansivas; crianças agitadas, mais calmas; crianças agressivas, mais dóceis; crianças submissas, mais reativas; crianças inseguras, mais confiantes. Conviver com cães e gatos é uma espécie de cura para todos os “males”? (risos). Se esse convívio for trabalhado adequadamente, o milagre até pode acontecer. A relação com animais é muito singular. É espontânea, verdadeira, transparente, não envolve cobranças, culpas, julgamentos. É uma relação. É uma relação não complicada para as crianças. Ela descarta certas características das relações humanas que em geral só atrapalham os vínculos afetivos, como a competição, a ambiguidade, a crítica. Daí a relação com animais ter grande potencial transformador no desenvolvimento infantil. Nela, a criança não está desempenhando nenhum papel preconcebido para ela, exigido dela. A relação com animais permite que a criança seja muito mais verdadeira e espontânea, permite que ela module o próprio comportamento, que ganhe a possibilidade de exercer outros papéis que não os estereotipados por ela por influência da família ou da escola. Uma criança impulsiva, por exemplo, pode se tornar mais contida ao perceber que gestos impulsivos fazem o bicho de estimação se afastar dela. O oposto também é possível. Uma criança retraída pode, motivada pelo convívio com um bicho de estimação, manifestar habilidades e facetas de personalidade antes ignorada pela família e por ela própria.
Potencializando os efeitos
São os pais que devem trabalhar adequadamente o convívio entre a criança e o animal para que se obtenha o melhor efeito possível dessa relação no desenvolvimento infantil? Sim, os pais ou os adultos responsáveis pela criança e pelo animal.
E como se trabalha esse convívio? De forma geral, oferecendo um modelo adequado de convivência, sobre o qual já falamos. Se os pais quiserem explorar a fundo a questão para potencializar ainda mais os efeitos da relação com animais, devem procurar orientação especializada. Mas é fundamental que busquem boas fontes, porque em todas as áreas há idéias anedóticas.
Boas fontes seriam bons psicólogos e psiquiatras? Também. Como a área é multidisciplinar, bons veterinários, pedagogos, fisioterapeutas, entre outros, podem igualmente ser consultados. O profissional precisa é ter conhecimento e experiência na relação humano-animal.
Mesmo que os pais optem por deixar a relação ocorrer naturalmente, sem, portanto, tentar potencializar seus benefícios com orientação especializada, os ganhos tendem a ser significativos? Sem dúvida, mas repito: desde que o modelo de convivência seja adequado. Hoje se entende que os animais são motivadores de estímulos multissensoriais. Por isso, ajudam muito inclusive crianças com transtornos diversos, como síndrome de Down e autismo. Eles estão ali presentes em todo seu esplendor. Há uma série de características neles capazes de acionar nas crianças outras formas de comunicação, de comportamento. Eles despertam estímulos olfativos, táteis, visuais, auditivos, comportamentais. Vinculações afetivas estão associadas até na mudança no sistema neurohormonal. Tanto crianças quanto animais, quando em interação positiva, apresentam elevações nos índices de oxitocina, o chamado hormônio do apego.
Há raças de cães e de gatos mais indicados conforme o temperamento da criança? Há fatores bem mais importantes que esse para a escolha adequada de um animal. Entre tantos, o espaço que ele exige para viver bem e a quantidade de atividade e de cuidados específicos de que precisa.
Para uma criança muito ativa, por exemplo, é mais interessante optar por uma raça de cão também muito ativa ou, ao contrário, por uma mais calma, que talvez estimule a manifestação dessa característica? Para uma criança muito ativa, seria interessante não optar por um animal frágil, que possa ser facilmente machucado durante as brincadeiras.
Mas o ideal seria buscar cães ou gatos de temperamento, digamos, oposto ao da criança ou semelhante ao dela? Acho que não faz muita diferença. Não considero esse fator tão importante. A relação com o animal vai se constituir de qualquer maneira.